Para ilustrar a frustração, Lula contou uma longa história de um homem que levou uma mola de caminhão ao ferreiro para que usasse aquele aço para lhe fazer uma espada. O ferreiro levou o aço à bigorna, mas esquentou demais o material e o aço encolheu. Disse que só daria então para fazer um facão. Mas o problema se repetiu, o aço encolheu. "Dá para fazer um punhal, ele disse ao sujeito." Novo superaquecimento, e o ferreiro chamou o homem. "Agora só dá para fazer um tchó", disse. O homem deu de ombros, disse que tudo bem. "O ferreiro meteu o restinho de aço na água e a água fez ‘Tchóóóóóóó!’ Possivelmente, o tchó seria a minha casa de cultura."
As Casas de Cultura evoluíram para os chamados Pontos de Cultura, hoje milhares pelo País todo. Mas Lula parecia preferir o primeiro projeto, e revelou que o seu sonho era que tivessem salas de cinema no interior e até bares. "No bar da periferia, não tem mesa, o sujeito fica no balcão bebendo, e vocês sabem que é ali que começam muitos dos problemas da violência", afirmou. Embora salientasse que não era uma cobrança, chamou às falas o ministro da Cultura, Juca Ferreira, para que consiga achar uma solução para o problema da "distribuição de tão má qualidade" do cinema brasileiro. "Imaginar que um cidadão vai pegar ônibus lá na periferia, ficar duas horas no transporte, é porque não conhece o conforto que é ver um filme na TV."
O presidente abordou longamente o problema do cinema nacional - por sinal, o setor artístico mais bem representado no ato, com uma dezena de cineastas na plateia, como Cacá Diegues, Bruno Barreto, Luiz Carlos Barreto e Ugo Giorgetti. "Eu confesso a vocês que não sei o que fazer." Falou da saudade das grandes salas de cinema de sua adolescência, como o "cinemascope" do Cine Comodoro, na Avenida São João, e o Cine Anchieta, em São Bernardo. "Nas 10 salas do shopping juntas não cabe o que cabia naqueles cinemas."
Pela primeira vez, propôs que o novo programa habitacional do governo, "Minha Casa, Minha Vida", quando integrarem conjuntos habitacionais de cerca de 10 mil casas, obriguem as empreiteiras a construírem pequenas salas de cinema nos condomínios. O ministro Juca Ferreira disse que a proposta é "exequível". O presidente, todo o tempo, tentava driblar a insistência de um cineclubista da plateia que insistia em se pronunciar gritando. "O cara do cineclube tá insistindo. E o Juca (Ferreira, ministro da Cultura) pode marcar uma audiência. Cineclube, chegará a sua vez, meu filho!", afirmou. "O Juca tá com uma sacola para pegar boas ideias ali. Vai ficar ali em pé, é só colocar no saco do Juca."
Lula falou sem papas na língua. Segundo o presidente, empresas que produzem "aqueles livros pesados pra disgrama", livros cheios de fotografias, como o Banco Itaú, se gabam de serem altruístas. "Aquilo não tem um centavo do lucro do Itaú", afirmou. "Nós estamos tranquilos, porque do dinheiro que usamos em 2008, a maior parte era contrapartida do banco. Usamos R$ 29 milhões com a Lei Rouanet e R$ 8 milhões sem a lei. E ainda assim, daqueles R$ 29 milhões, um terço é contrapartida do banco", disse Eduardo Saron, superintendente do Instituto Itaú Cultural.
Lula alfinetou também o mercado editorial nacional - deu isenção fiscal às editoras, mas o preço do livro não caiu. Prometeu que o ministro Juca Ferreira não será candidato a deputado, vai ficar até o fim da gestão. Ferreira chorou ao iniciar o seu discurso, dizendo que o Vale Cultura é parte de um esforço para fazer com que os brasileiros tenham instrumentos "que satisfaçam suas demandas afetivas e suas fantasias humanas." O prefeito Gilberto Kassab também participou do ato do Vale Cultura, assim como o secretário de Cultura de São Paulo, João Sayad. Kassab elogiou a iniciativa e disse que vai lutar pelo mecanismo. "Todos nós, brasileiros, devemos procurar o Congresso Nacional e pressionar pela aprovação", convocou Kassab.(AE)
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