“Bróder”, o filme de estreia de Jefferson De, vai ao Capão Redondo para mostrar como preconceitos raciais e econômicos se escondem em todas as classes sociais
Por Eduardo Hiraoka
Jefferson De prometia um longa-metragem desde que, em 2000, apareceu na cena cinematográfica lançando um movimento chamado “Dogma Feijoada”, em que pedia atenção para o cinema realizado por negros e com temas sobre suas vidas, coisa rara no Brasil. Enfim agora, após uma longa batalha atrás de recursos e a realização de curtas-metragens, De está finalizando “Bróder”, um filme sobre a temática negra, e sobretudo sobre a vida dessas pessoas na periferia de São Paulo. Filmado em pouco mais de um mês, no famoso bairro do Capão Redondo, o filme gira em torno do reencontro de três colegas de infância, que após se separarem, trilharam caminhos de vida bem distintos. No elenco, nomes como Caio Blat, Cássia Kiss, Ailton Graça e Jonathan Haagensen.
Jefferson iniciou sua carreira no cinema com o curta “Carolina”, vencedor de três Kikitos no Festival de Gramado de 2003, sobre a vida da escritora negra Carolina Maria de Jesus, que, mesmo com poucos estudos, escreveu no final dos anos 50 um diário onde denunciava a fome, a miséria e o preconceito. Por conta dessa proposta de fazer cinema, Jefferson logo firmou-se como uma espécie de “Spike Lee brasileiro”. Mas o próprio diretor ressalta que há grandes diferenças entre a forma como a questão racial é tratada aqui e nos Estado Unidos. “Lá [nos Estado Unidos], negro é negro, e branco é branco. Aqui ninguém assume a própria cor. Todo mundo se diz mulato”. Para Jefferson, isso dificulta a discussão sobre o preconceito e as desigualdades.
Homenagem a Leon Hirszman
Em “Bróder”, Jefferson promete retomar essa questão de uma forma bastante atual, onde negros e brancos disputam contas “raciais” em universidades, entre outros assuntos polêmicos. Afinal, dessa vez, o protagonista de seu filme é um ator branco (Caio Blat) que, no entanto, representa um personagem que se diz negro. “Coloquei isso para dar confusão mesmo. Quero que as pessoas estejam atentas ao que eu estou dizendo”. Além disso, o filme também pretende chamar a atenção para a periferia da cidade de São Paulo. Conhecido como uma das áreas mais violentas de São Paulo, o Capão Redondo é o pano de fundo de todas as ações que se desenrolam ao longo do filme.
Capão Redondo foi escolhido como locação devido à afinidade que Jefferson criou com o bairro através de amigos da faculdade que moravam lá. Ele afirma que a comunidade cooperou com as gravações, ajudando a isolar locais de filmagem e até contribuindo com peças de figurino das personagens. Para o cineasta, “Bróder” é uma espécie de neto de “Eles Não Usam Black-Tie”, filme de Leon Hirszman, adaptado da peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri e lançado em 1981. “Eu quero mostrar a periferia como ela é hoje. É como uma retomada daquele retrato que foi feito lá atrás”.
Para que essa representação fosse realizada com a maior fidelidade possível, os atores se dedicaram de corpo e alma aos papéis. Caio Blat se mudou para o Capão Redondo para entender melhor o ambiente onde vivia Macu, seu personagem no filme. Já Cássia Kiss fez diversas visitas à região e passou um bom tempo caminhando pelas ruas do bairro ao lado do diretor. Jefferson cita essa relação com seu elenco como uma das grandes diferenças entre dirigir um curta e um longa-metragem. “Tive o privilégio de trabalhar com atores magníficos, o que exige muito do diretor”.
Um dos pontos centrais do enredo, além das questões socioeconômicas e raciais, é a relação de amizade existente entre os personagens Macu, Pibe (Silvio Guindane) e Jaiminho (Jonathan Haagensen). É essa amizade, que se assemelha à relação entre irmãos, que justifica o título da obra. O reencontro dos três ocorrerá exatamente no momento em que Macu se envolve no planejamento de um sequestro – enquanto sua mãe prepara uma grande festa de aniversário para ele. Mas, apesar de o enredo envolver elementos da criminalidade, Jefferson afirma que “Bróder” não é um filme sobre violência e diz se orgulhar de não ter gravado nenhuma cena contendo consumo de drogas, sexo ou tiroteios.
Jefferson também fez uma trilha sonora diferente e pretende quebrar o estereótipo de que no Capão Redondo as pessoas só escutam rap. “Lá também toca música sertaneja, gospel, Pixinguinha, até pagode paulista”. O roteiro foi escrito por Jefferson, em parceria com Newton Cannito, e o orçamento foi de R$ 3 milhões, tendo recursos captados de diversas fontes como Petrobras, BNDES, Fundo Setorial do Audiovisual, Programa de Patrocínios da Oi e editais de fomento do governo e da prefeitura de São Paulo. A produção ficou por conta da Barraco Forte, produtora de Jefferson, da Glaz, de Paulo Boccato, da Lereby, de Daniel Filho, além de contar com Cacá Diegues como produtor associado. A perspectiva é que “Bróder” estreie no circuito comercial no primeiro semestre de 2010. “De preferência perto do 13 de maio”, afirma o cineasta, referindo-se ao dia da abolição da escravatura. A distribuição será feita pela Columbia e pela Globo Filmes.
FONTE: REVISTA DE CINEMA ON LINE
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário